Historiador, professor, autor de obras como a «História da Arte Portuguesa» e os «Lugares Mágicos de Portugal». Um percurso de revelação de um mundo sacralizado por alguns mas que ele quer partilhar, fazer chegar ao leitor comum, decifrar em toda sua riqueza de sentidos e capacidade criativa do Homem ao longo dos tempos. Paulo Pereira compõe um caminho alternativo ao ensino da arte – elegendo cem objetos chave para os seis períodos que marcam mais de dois mil anos de história da arte portuguesa.
Paulo Pereira (PP) - Confesso que a minha inspiração veio de obras como as da Mondadori da escola italiana que explicam, com setas indicativas e pontos, os elementos constituintes de uma peça, de uma obra de arte, a sua iconografia, às vezes as opções técnicas, as cenas representadas e o seu papel num determinado período. Como não havia nada disso para a arte portuguesa, decidi experimentar esta solução. Cada obra é um mundo, mas é também, em si, explicativa “do-mundo-todo”. É por isso que uma obra nunca é somente a obra, é mais do que isso - ajuda a entender os porquês e as formas de expressão de uma determinada época e de uma determinada conjuntura.
CL – De que variedade de obras de arte estamos a falar?
PP – De todos os géneros. A pintura e a escultura ocupam, naturalmente, a maior parte dos exemplos escolhidos. Mas há que ter em conta os períodos de que tratamos. Se falarmos da pré-história, é evidente que encontramos mais pedras – como costumo dizer. Na Idade Média os exemplos pictóricos são, por sua vez, mais escassos. Era também fundamental incluir a arquitetura. Sendo a mais difícil de descrever, a mais resistente à narrativa (porque só experimentando o espaço, o sítio, a escala, a obra se dá a perceber), ela tinha de fazer parte desta obra, tanto mais que muitas vezes é invólucro de outras obras, senão mesmo a protagonista que suscita a produção de outros géneros artísticos.
CL - E como foi para o Paulo
Pereira, historiador, reencontrar-se com cada um dos cem objetos que propõe
decifrar nos seis volumes desta Obra?
PP - Gostei
de manipular as obras e a informação disponível, de promover sínteses
explicativas, de pôr ao alcance do público muitas dessas conclusões, algumas
delas fascinantes. De vez em quando também dei a minha pincelada – salvo seja. Ao confrontar-me com os detalhes e com os
contextos, o que mais apreciei foi a descoberta de uma quantidade de pequenas e
grandes coisas e, de repente, descobrir nexos que me escapavam.
CL - Há aqui uma proposta muito
concreta de mexer (permita-me a
expressão) nas obras – virá-las do avesso, analisar os seus detalhes e
significados, os elementos que a compõem. Muita escapa ao nosso olhar passeante entre obras, por exemplo, num
museu?
PP - Pois,
é isso. Mesmo num museu, onde as peças se singularizam, é difícil a desmontagem
da obra, que é colocada em sucessão, confronto, sequência com outras. Há a
tendência a ser vista num conjunto mais vasto. Mas eleita e posta em valor, podemos
analisá-la em pormenor. Repare que se trata não apenas de significados, de
símbolos, mas também de contextos criativos que explicam o chamado estilo. Sou fiel às minhas raízes, que
vêm da iconologia de Erwin Panofsky. Uma obra tem vários níveis de leitura: um
imediato, funcional por assim dizer; outro ao nível do significado geral (uma
determinada cena de um episódio conhecido); e outro ainda, mais profundo, em
que são incluídos elementos que melhor situam a obra no seu tempo, em relação
com o encomendador, ou que exprimem a
personalidade do autor. Veja-se a Josefa d´Óbidos, por exemplo, que é um caso
bem claro deste tipo de leitura potencial.
CL - Fala-se quase sempre da tardia
chegada de influências ou do nosso carácter periférico como algo de negativa,
mas que singularidade(s) trouxe esse mesmo carácter periférico à arte
portuguesa?
PP - Nem
sempre chegaram tarde. Não foram é traduzidas de uma forma absolutamente
conforme ao centro de difusão, se excetuarmos importações, que também aparecem
nos livros. Agora, é evidente que a periferia portuguesa durante a Idade Média
é uma coisa (as obras são geralmente pobres, e os meios reduzidos), no
Renascimento outra (é um período de profusão artística, de proliferação mesmo, com
importação de mão de obra) e no século XIX é outra (um período
interessantíssimo, este, como bem viu o José-Augusto França, com a
sobrevivência de naturalismos, as reservas relativamente às vanguardas). Mas
essa periferia, como já sublinhei várias vezes, também permitiu que a arte europeia chegasse, outra vez, longe,
muito longe mesmo, à Índia, ao Brasil (aí em estreia absoluta!) e que a arte
exótica, feita de objetos novos e curiosos, chegasse à Europa por nosso
intermédio. Este enriquecimento e polinização cruzada, como agora se diz, deu
resultados formidáveis e peças raras.
CL - Diria que neste decifrar da
arte portuguesa existe também um convite a diferentes formas de experimentar a
arte? Pensava, por exemplo, no convite a decompor os elementos de uma pintura
como a Santa Maria Madalena Penitente
de Josefa de Óbidos, mas depois algo como o ser convidado à poética de espaço
do Mosteiro da Batalha, ou o termos de nos deslocar (e caminhar) até às
pinturas rupestres, ao ar livre, no Vale de Côa.
PP -
Ora aí está: a poética que pode parecer dissipar-se numa leitura clínica (quase médica, anatómica), reaparece
quando começamos a ver os pormenores que não víamos antes.
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